"Do corpo. Mas que é o corpo?
Meu corpo feito de carne e de osso.
Esse osso que não vejo, maxilares, costelasflexível armação que me sustenta no espaçoque não me deixa desabar como um sacovazioque guarda as vísceras todasfuncionandocomo retortas e tubosfazendo o sangue que faz a carne e o pensamentoe as palavrase as mentirase os carinhos mais doces mais sacanasmais sentidospara explodir uma galáxiade leiteno centro de tuas coxas no fundode tua noite ávidacheiros de umbigo e de vaginagraves cheiros indecifráveiscomo símbolosdo corpodo teu corpo do meu corpocorpoque pode um sabre rasgarum caco de vidrouma navalhameu corpo cheio de sangueque o irriga como a um continenteou um jardimcirculando por meus braçospor meus dedosenquanto discuto caminholembro relembromeu sangue feito de gases que aspirodos céus da cidade estrangeiracom a ajuda dos plátanose que pode - por um descuido - esvair-se por meupulsoaberto [...]"
"Publicado originalmente em 1976, Poema sujo transformou a paisagem da poesia brasileira com sua torrente arrebatadora de versos, expressão máxima de uma subjetividade convulsa pela atmosfera sufocante da ditadura.O poema foi escrito na Argentina, onde o autor se encontrava exilado. “Sentia-me dentro de um cerco que se fechava.Decidi, então, escrever um poema que fosse o meu testemunho final, antes que me calassem para sempre”, escreveu Gullar. “Imaginei que poderia vomitar, em escrita automática, sem ordem discursiva, a massa da experiência vivida - lançar o passado em golfadas sobre o papel e, a partir desse magma, construir o poema que encerraria a minha aventura biográfica e literária.” Quarenta anos depois, o poema continua atual como nunca."
É uma das obras mais importantes da literatura moderna. Constituído por mais de mil versos e apenas um único poema, a obra de Ferreira Gullar (Poeta, crítico e um dos principais modernistas) mostra uma 'outra face' do mundo que conhecemos. Com linguagem "chula" o mesmo exibe erotismo, licença poética, ritmo rápido com diversos temas abordados e métrica livre.
O Gullar, em alguns versos, mostra completamente esperança com seu povo, já em outras partes: Parece que o mundo não mais há jeito de mudar. A melancolia presente em sua poesia é algo que consegue passar para o leitor e o deixar constrangido com a realidade em seu redor. Pode ser considerada, esta obra, como: "Meia biografia do Gullar", pois a mesma tem coisas da infância e outras fases do escritor.
Mas a poesia não existia aindaPlantas. Bichos. Cheiros. Roupas.Olhos. Braços. Seios. Bocas.Vidraça verde, jasmim.Bicicleta no domingo.Papagaios de papel.Retreta na praça.Luto.Homem morto no mercadosangue humano nos legumes.Mundo sem voz, coisa opaca.
Este é um livro, não apenas para os amantes de poesia, mas para todos os leitores. É uma chuva de assuntos abordados por um dos maiores escritores que o Brasil perdeu em dezembro de 2016.
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