A Psicologia de Um Vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigénesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia,
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário de ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida, em geral, declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
— Augusto dos Anjos, Eu e Outras Poesias; Paraíba, 1909.
Nós compomos os vencidos. Não há mais a filosofia do ego.
Não há mais a separação que anule as disparidades entre o homem e o verme. A
sociedade de tende a introjetar o ideal de superioridade da mente, e as crenças
sustentam um ideal de alma e de espírito divino, que não coincide com o real. O
puramente histórico denota... Não somos mais que nada, um nada com a auréola de
tudo, e portadores uma arma que não conhecemos. Somos os operários da ruína. O
Ácido Desoxirribonucleico, ou DNA, é, por direito próprio uma poesia. Ele
possui versos e estrofes, os genes, e uma codificação que mescla empenho,
energia e acaso. Com toda a certeza, a parte mais interessante é que, ao
inferir uma filosofia ou ordem para tudo o que existe, tudo o que conseguimos é
erro e acaso. A evolução é sempre fruto de uma alteração errônea e aleatória.
De maneira geral, o ser humano é um erro (mas não apenas ele, todas as outras
formas de vidas também). Augusto dos Anjos considerava-se uma sombra vinda de
outras eras, do cosmopolitismo das moneras. Cosmopolita significa um cidadão do
cosmos, aqueles que se opõem às fronteiras, cidadão de todas as nações,
enquanto o reino das moneras representa as bactérias, as cianobactérias e as
arqueobactérias. Há bactérias em Marte e, possivelmente, existem em
quantidades diversas nos demais planetas e outros sistemas estelares. Uma
figura de linguagem bela e plausível. O poeta, aparentemente, almejava a
sua retroevolução, de modo retornasse ao estágio inicial da vida
(possivelmente, por alegar a vida hodierna ser putrefata, um lar de morte e
vermes). Positivamente, ele estava correto.
A Árvore Na Serra
— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!
— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh’alma!...
— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”
E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!
— Idem, ibidem; 1909.
Segue agora a parte cômica: nós somos, em pequena parte,
árvores; em pequena parte, pardal; em pequena parte, todos os seres vivos. Toda
a vida na Terra é, à guisa de argumentação, a mesma entidade. Esta é uma
interpretação pessoal, portanto, não se digna a contar a verdade. Há
religiosidade na menção a Deus e há ciência em sua linguagem. Ele estava
utilizando as duas coisas. O pai pode ser um fundamentalista anacrônico
contrário ao sentimento de irmandade entre as espécies, a negação do ser humano
como outro animal qualquer e afirmação de superioridade com relação a outras
espécies vivas. Você pode imaginar que a árvore não grita de dor, mas e se ela
não possuísse lábios, mas, ainda assim, fosse um ser que desejasse, que amasse,
mas vivessem uma prisão no tempo, obrigadas a medrar paulatinamente sem que
fossem capazes de berrar ou alertar de sua existência. Seríamos capazes de nos
comunicar com elas. O DNA das Árvores, dessarte, é a prova de que somos seus
primos distantes e deve ser destruída. No fim, a humanidade corta a árvore para
que se oculte a natureza que nos torna qualquer um e o filho, desnorteado,
assume o lugar da árvore cortada, tornando-se a intersecção entre humano e
natureza. O moço, o novo homem surge quando compreender-se como animal, como verme,
e jamais com o portento dos poetas soberbos. Não há como espapar da morte e
todos os que vivem, morarão na Terra. Seu feitos apodrecerão com o tempo e,
nesse ínterim, ele deve ser ao menos virtuoso e pacato como a doce, a morta
falecida Árvore da Serra.
O Grito Socorrista (Parte 1)
Escrito pela poetisa desesperatriz, Menina das Letras
Foi apenas um disparate, simples distração
Que medrou a porfia que estremece o chão
De Anjos, sou minha operária da ruína
Que com o furor do furacão Katrina
Calam-me, findam as verborragias vãs
Ah, a que vos grafa, tão cheia de afãs
Que a marosca semeou em vocábulos vis
Não almejo palrar junto à torpe atriz
E a qualquer outrem que o engodo, idolatre
Pois que a liberdade, arrimo em Sartre
Mande-a adejar ao longe, universo afora
Que à liberdade, um êxito se aflora
Tão carcerada anda a alma que peneja a vós
Em grilhões berrantes tácitos sem voz
E verte à mi, ponderada, uma culpa
E eis que nada consto, replico: desculpa
Que dizer, se nem as preces — linha precisa
Segue o rumo — rugoso — o ser que frisa
E as velhas sob a líder, impõe loucuras
Congênitas, grassando as novas agruras
Não há mais peças que preencham o vazio
Que cavam os coveiros, chefes do rio
Não miram por seus olhares embrumados
Pondo à prova o enxerto dos ditos amados
Olhem-me, avistem-me com suas ranhuras
Pois como vós, opoentes das travessuras
Sou opósita às suas hórridas ditaduras
Quem sou? Dissemino ao universo as curas
Pois que chega enfim, o dia à dizer que basta
Dos carcereiros, furto a rotina fasta.
Menina das Letras nasceu em todas as sociedades, de todas as
eras e idades, em todos os lares e atestou que todos eram tristes. Desde a
Rússia comunista até o Egito Antigo, e não nada pior que ser mulher. Não há
nada pior que ser homem. Não há nada pior que ser humano. "Nada vive,
que fosse digno de tuas emoções, e a Terra não merece um só suspiro. Dor e
tédio é o nosso ser e o mundo é lodo - nada mais. Aquieta-te",
Leopaldi apud Nietzsche.
Ela não existe de verdade, mas, se existisse, confirmaria cada
palavra.
Nenhum comentário