Eu sou um recipiente
No qual se depositam
Cabelos de um pente
Ando a esmo pela rua
E me despeço de minha pele
A cada gota que sua
Eu sou um recipiente
Moldo os liquefeitos
E caminho em frente
E cada fio representa
Um lapso, que emerge do escuro
Mas à sombria luz te atenta
Os ramos são sempre tortos
E nem por tanto
Vês os arvoredos mortos
Em mim, corre magma hostil
Não espere de mim sangue
Vertendo em cor anil
Eu sou um recipiente
Guardam-me esperanças
De um importe tão áureo
Quanto a mais alta bonança
Entrementes, não amo qualquer
Dos cliente que me tem
Não resumo a bem-me-quer
Toda astúcia aprendida
Ou a blindagem em mim perfeita
Por eras de ciência sabida
Estou tão estafa de cantar
E de a tudo ser o canto
Mesmo estafa estou de planear
De dar a conta a quem pague
Minha mãe se despeita
Pela mínima palavra solta
— Quer ser solta? Respeita
Mas insurgi para a soltura
E entrei pela saída
Não vi medo àquela altura
Aliás, não vi coisa alguma...
Entre os insetos viajei
Até porta encontrar uma
E pelo ouro eu me guiei
Para frente eu sempre sigo
Não quero olhar para trás
Pensar-me de novo contigo
Passei a servir-me a alma
Em bandejas com café
E enxaguar na parca sauna
Os pratos não mais sujos
Que mim, enquanto volteava
Nas espirais de caramujos
Eu sou um recipiente
— Eu a amo, estou à beira...
— Minha dama, deixa-me...
— ... Foder você inteira
— Tanto irei me lembrar de ti...
— Me esquece sua vadia...
E todos eram apenas cabelos
Tanto quanto os montes que tenho
E que perdi entre os selos
Mas assim como num corte
Em vezes a surpresa advém
Apenas de um pouco de sorte
Alguém que ainda não servi?
— Eu quero um pão e um segundo
Meu sorriso estava armado
E dei-lhe as horas do mundo
Eu penso, disse, que sou tudo
— Para mim, você, de fato, é
Não, argui-o, digo que não mudo
De corpo para ver em outra ótica
Eu observo os dirigentes
Irem a cimo de forma despótica
E das flores a brotar do solo
Apalpei-lhes o pedúnculo
Senti as dores em meu colo
De primeira e rubra alva
Vem-me meu irmão imberbe
Ai de mim ter face mais calva
Enfim, senti, ouvi e comi
Fi-lo tudo em minha prisão
Eu sou um recipiente
E também um caixão
Eu sei que às vezes
Eu a corda ando a seguir,
Mas não sei o que fazer
Quando ela se partir
Só me vejo ela a conduzir
Não queira se ver assim
Não queira estar tão longe
Ele se volta para mim
— Você é estonteante...
Mas não houve “eu te amo”
Então transamos em casa
Na casa, em qualquer parte
Em qualquer cômodo, arrasa
Esse meu novo namorado
— Eu esperava que das noites
você houvesse largado
Disse, não espero que entenda
Mas isso é o que eu sou
Não sou a cama, sou a tenda
Olhou-me e sorriu então
Não caiu, pois estava sentado
E segurou a minha mão
Pelos dias sombrios...
Eu sou o grilhão, sou a cela
E de novo veio o engodo
Sabia que eu era ela
A presa encarcerada
Que minha corrente não pulsava
Sem a seu peito estar ligada
— se assim me deixasse ser,
e poderia ser muito mais
Devo esperar você aquiescer?
— Entra-se em guerra pela paz
e você é minha harmonia
e há pouco o que fazer sem.
Vai dizer isso todo dia
— Todos os dias da sua vida
E quais asas voam agora?
Eu me encontrava tão perdida
Mas então veio o pedido
Dito em joelhos e perante
E nos fundimos na prata
De nossos termos não houve
Sequer uma única errata
Em uma solidão velada
Pelas vendas da noite
De dia, não havia nada
E se fazia a desavença
Mais pela mudez do gato
Que o miado, na essência
Refleti na veia segregada
Mas o sangue vaza por demais
E a prata é por demais sagrada
Ainda servia das bandejas
Na tépida tez da eternidade
Às vezes, em teu voo, adejas
Para te manteres no piso
Sem despenhar para o abismo
E ainda manter o piso liso
Para patinar
Enquanto todos escorregam
Homem, estou pegando o jeito!
Da labuta cheguei. E beijei
O consorte que jazia no leito
Não caiu, pois estava deitado
Deitava sempre, mesmo de pé
O ente corpóreo interditado
Senão no instante em que me via
Ser de novo seu recipiente
Sua vaga, sua maresia
Ainda não fosse meu desejo
Nenhum termo imperava
Para mim, era bom o ensejo
E cheguei a casa à meia-noite
O copo se expunha na mesa
Estava ele de novo em pernoite
Com a matrona de seu grado
Esse é o fim, meu único amigo
Não quero olhar para trás
Nem para espiar meu jazigo
— Transviada, vulgívaga hostil
Puta! Por que o nome oculta?
Desgraçado, torpe, falso viril
E naquela noite houveram
Marcas sobre o copo, mas
Meu verbos não imperam
À noite, naveguei nas ondas
Nas ondas que eu criei
Para imergir como as sondas
Eu quis olhar para trás
E imaginar de novo com ela
Saindo comigo do cais
Retornando para a terra
Ela não deu pecou ao fruto
Fez o fruto que a si mesmo traiu
De ouvi-la não fora tão astuto
Um descortinei meu segredo
Ao homem que pensei amar-me
Foi meu pedido de despejo
Eu sou um recipiente
Eu sou uma via,
Uma sobrevivente
E eu estava novamente às moscas
Era ele apenas um cabelo em meu pente
Que andavam elegantes pela rua
Entre os insetos de asas foscas
Estagnei o passo à esquina
Entre mulheres e filhos
Ali, a sujeira é albina
Veio-nos o anfitrião
Dono de meia calçada
Não nos tratou com aguilhão
Disse apenas, partam os pães
Estava entre os recipiente
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