Antônio Abujamra foi um diretor e ator teatral. Também apresentou o programa Provocações (2000-2015), transmitido pela Tv Cultura.
Olha, para falar a verdade, isso é muito pouco para falar do Abu, pois foi um grande intelectual, ele lia de tudo e tinha orgulho de dizer isso.
Provocações
No seu programa Provocações ele fazia o entrevistado tremer na base. Nunca vi alguém provocar tão bem outros pensadores. Sua pergunta de praxe era “O que é a vida”, que acontecia ao fim da entrevista. O entrevistado deveria responder com uma boa definição. Quando a resposta era rasa, ele perguntava novamente. Com isso, Abu deixou alguns pensadores sem respostas, como foi o caso do Clóvis de Barros, filósofo e professor brasileiro, que já não tinha mais o que dizer, mesmo depois de ter dado 4 excelentes respostas.
Confesso que eu não saberia responder com tanta precisão. Mas confesso que tentaria, mesmo sabendo que a minha definição do que é a vida muda constantemente. Amanhã, por exemplo, quando eu fizer meu café, quando eu tomar o banho de sol e o banho gelado, não sei o que estarei pensando a respeito do que é a vida. Mas agora nessa noite fria, a vida para mim é um clássico. E por ser um clássico, estou sempre relendo para tentar encontrar um sentido novo, enquanto admiro cada capítulo desse conjunto de páginas que nunca saiu de moda.
Abu e Fernando Pessoa
O Youtube de vez em quando me recomenda um vídeo do Abu declamando Álvaro de Campos, que é um heterônimo do Fernando Pessoa. Ele declama o poema Tabacaria, que é um poema longo, rápido, de imagens emocionantes e complexas, onde a gente vê o Eu Lírico refletindo acerca de sua existência.
Os versos iniciais são formidáveis e o Abu os compreendeu perfeitamente, uma vez que fizera, na minha opinião, a melhor interpretação do texto.
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Sim. A partir do momento que eu digo que não sou nada, e que não posso ou não quero ser nada, não me limito a ser somente uma coisa, assim sendo, sou livre para ser ou viver todas as coisas.
O pessimismo persegue muita gente. Porém é amolando esse ferro que se vira um bom ferreiro. Não adianta ter medo do pessimismo, pois uma hora ou outra ele poderá se mostrar e você não poderá correr. Ele já me ofereceu café, e eu não pude recusar. Mas foi nesse café que ele me deu razões para respeitá-lo assim como respeito o otimismo. Aprendi com ele que devo respeitar minha tristeza assim como respeito minha felicidade.
Onde é que há gente no mundo?
Hoje quando eu perco a coragem de atravessar a ponte, eu tento me lembrar de quando eu trilhei outras pontes. E quando eu não me sinto humano, eu questiono se sou eu que estou perdendo a essência ou se, na verdade, são os outros. De qualquer forma, eu choro e chorar é o melhor desabafo de quem vive.
E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela. João 8:7
O outro poema, aquele intitulado Poema em Linha Reta, também do heterônimo do Fernando Pessoa, o Álvaro de Campos, traz exatamente essas questões. O Poema em Linha Reta se aplica muito bem nesses novos tempos, onde todo mundo quer "cancelar" o errado, mas todo mundo também é errado, todo mundo já errou.
Então, assim como o Pessoa, eu questiono: onde é que há gente no mundo? Onde é que a gente imperfeita nessa multidão perfeita?
Viver é melhor que sonhar
Pois é. Como eu falei no início, hoje sei o que é a vida, amanhã posso não saber ou posso ter uma nova percepção muito diferente do que a que tenho hoje. De qualquer forma, foda-se. Como Belchior, eu não o quero dizer das coisas que aprendi nos discos ou livros, na verdade, o que quero e o que sempre irei querer falar é das coisas que tem acontecido comigo. Eu quero desabafar, eu sinto essa necessidade constante de desabafar sobre meus sentimentos e creio que todo mundo é assim, por mais bloqueado que seja.
Belchior fala que viver é melhor que sonhar e que o amor é uma coisa boa.
Não preciso dizer muita coisa. Viver é estar consigo mesmo no pior ou melhor momento. De um jeito simples, viver é se amar, mesmo não entendendo o que é o amor.
Vinicius de Moraes escreveu um dos sonetos mais bonitos da literatura brasileira, o Soneto de Fidelidade. A última estrofe é muito interessante:
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
Sim. Eu quero que todo o amor que eu ame seja aproveitável nesse paradoxo de ser “infinito enquanto dure”. Eu quero degustar do vinho enquanto o vinho não acabar. E quando o vinho acabar, quero te contar o quanto ele estava delicioso.
Conclusão
Abu, eu não sei o que é a vida. Mas quero vivê-la. E obrigado por ter vivido tão bem, gostaria de ter sabido qual era a sua resposta para essa pergunta tão simples e tão complexa: o que é a vida?
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